Biography
Bacharel em Direito, Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas.
Sócio e Coordenador da Área Tributária do Barros de Arruda Advogados, Diretor Vice-Presidente da ABDF. Atuou no Ministério da Fazenda como Delegado da Receita Federal de Julgamento no Rio de Janeiro. Coordenador-Geral do Sistema de Fiscalização da Secretaria da Receita Federal. Conselheiro no Primeiro Conselho de Contribuintes. Chefe da Divisão de Fiscalização da Superintendência Regional da Receita Federal na 7ª RF. Atuou como Membro da Comissão Consultiva de Assuntos Tributários da Comissão de Valores Imobiliários.
CONFIRA A ENTREVISTA COM O DR. LUIS HENRIQUE BARROS DE ARRUDA
1. Os jornais prestam contas de ao menos 5 modelos de reforma tributária a serem levados ao debate no Congresso Nacional no início do próximo ano. Quase todos propõem singular modificação dos tributos circulatórios, sugerindo-se uma unificação de diferentes tributos Estaduais, Municipais e Federais em um único Tributo sobre Bens e Serviços (IBS). Tal modificação se revela compatível com os princípios que estruturam o Federalismo Fiscal? Vale dizer, não haveria violação ao conteúdo da clausula pétrea do Federalismo aplicada à seara da competência tributária?
Esse é o ponto mais controvertido das propostas em discussão. A meu ver a criação do IBS por lei complementar da União o caracteriza como um imposto federal, de modo que, ao substituir impostos da competência dos demais entes federados essas PECs restringem substancialmente a autonomia atualmente outorgada aos estados e municípios pelo constituinte originário, refletida no art. 6º do CTN, segundo o qual a atribuição constitucional de competência tributária compreende a competência legislativa plena, com as ressalvas previstas na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados e nas Leis Orgânicas do DF e dos Municípios.
Desse modo, não são poucos os autores de nomeada que vislumbram na proposta de criação do IBS ofensa ao § 4º do artigo 60 da Constituição Federal, que veda proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado.
A rigor, porém, iniciativas semelhantes não são novas. A EC nº 18/65, por exemplo,já previa, em seu art. 13,a cobrança, pelos municípios, de ICMS com base na legislação estadual, regulado pelos art. 59 a 62 do CTN, jamais implementado, revogado que foi pelo Ato Complementar nº 31/66.
Na vigência da atual Carta a PEC nº 175/95, de iniciativa do Poder Executivo, tentou no passado, com os mesmos propósitos, unificar o IPI e o ICMS, mas não obteve sucesso.
Ademais, atualmente a Lei Complementar nº 123/2006 e suas alterações instituíram o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional), com a participação de todos os entes federados, administrado por um Comitê Gestor.
É certo que tal Regime é excepcional, tendo o constituinte originário prescrito àUnião, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios,no art. 179 da Carta Magna, dispensar às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
Mas o regime único de arrecadação foi mencionado expressamente apenas no parágrafo único do art. 145 da Carta Magna, incluído pela EC nº 42/2003, ou seja, pelo Congresso Nacional no exercício do poder constituinte derivado, e vem sendo aplicado com êxito.
2. Fala-se muito em redução de complexidades. Considerando que os modelos propostos não conduziriam à extinção imediata dos tributos hoje vigentes, não haveria incremento da complexidade de nosso sistema tributário, ao menos em um primeiro momento?
Acredito que sim. Essa é outra fragilidade habitualmente assinalada na propalada Reforma Tributária. Note-se que a busca de simplificação vem sendo há anos perseguida, como mencionei acima, ao evocar a PEC nº 175/95, tendo, inclusive, o outrora deputado Marcus Cintra, até recentemente Secretário Especial da Receita Federal do Brasil, apresentado as PEC 183/99 e 474/99objetivando a criação do IMF, em substituição ao IPRJ, o IPI, o ICMS, o ISS, as contribuições patronais ao INSS, o PIS, a COFINS e a CSLL etc., ambas arquivadas.
3. Em sua opinião quais as reformas que efetivamente se revelam imprescindíveis para que o aperfeiçoamento de nosso sistema tributário?
A nosso ver, os principais problemas em matéria tributária não são de ordem constitucional.
Existem, de fato, questões graves, como o ICMS, imposto não-cumulativo de competência estadual incidente na origem e no destino, gerador de guerras fiscais.
Todavia, a onerosidade do sistema resulta da quantidade, da redundância e da complexidade das obrigações acessórias, que deveriam desde já ser enfrentadas no âmbito da União por normas legais ou administrativas.
Veja por exemplo o IPI, cujo cálculo requer a classificação do produto em uma complexa tabela de incontáveis códigos, interpretada de acordo com regras herméticas e incompreensíveis, com observância de um dito princípio de seletividade de lógica questionável, pela aplicação de alíquotas que poderiam ser reduzidas a umas poucas até mesmo por decreto presidencial, porque assim o autoriza o§ 1º do artigo 153 da Lei Maior.
Outro caso é o da contribuição para o PIS e da COFINS, tributos idênticos, cujas normas, consolidadas mês passado pela IN RFB 1.911, implicaram na redação de 766 artigos e 29 anexos, impressos em 202 páginas.
Ora, se a União pretende efetivamente simplificar os tributos incidentes sobre consumo, pode dar início imediato a essa tarefa tornando mais simples os que se encontram na sua esfera de competência, inclusive essas contribuições, cujas regras de não-cumulatividade são hoje causas de inúmeros litígios, que seguramente não serão contornados por emenda à Constituição, nem necessitam de lei complementar para serem eliminados.
As denominadas “malhas”devem ser revistas, pois produzem dezenas de milhares de processos instaurados, em grande parte para cobrar valores irrisórios de contribuintes de menor renda.
O elevado grau de litigiosidade, por seu turno,recomenda a implantação de controle de qualidade prévio das auditorias fiscais e a introdução de um mecanismo que permita ao contribuinte discutir as conclusões da auditoria com uma comissão revisora, antes do lançamento, a fim de prevenir a instauração do litígios desnecessários.
A insegurança jurídica decorre das mudanças de interpretação das administrações tributárias a respeito de questões assentes, a surpreender o contribuinte, assim como da instabilidade da jurisprudência administrativa e judicial, consequência da falta de independência dos julgadores administrativos e da falta de especialização dos órgãos do Poder Judiciário.
A morosidade na solução dos litígios é fruto do volume de lançamentos de ofício, muitos notoriamente injustificáveis,e da reconhecida morosidade dos órgãos do Poder Judiciário, a demandar que se cogite da implantação de contencioso administrativo, na esteira do que já se planejou pela EC nº 7/77, além de outros mecanismos de divulgação dos entendimentos oficiais da administração a propósito de temas relevantes.
Por derradeiro, há que se ter em mente dois aspectos.
O primeiro é que, sendo o chamado sistema tributário nacional dinâmico e aberto, a entropia é inevitável, o que exige permanente revisão e atualização para que não se desorganize.
O segundo consiste na constatação de que a carga tributária global depende do volume da dívida e das despesas públicas, matéria de direito financeiro, bem como de reformas política e administrativa, sem as quais a insatisfação geral continuará a existir.